sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Recordações de Gabriel Montanha Rebelo

RECORDAÇÕES

Foi a 14 de Fevereiro de 1913 que, segundo ouvi dizer, pelas 5 horas da manhã e num prédio da avenida João Crisóstomo apareci cá neste Mundo.
Foi em casa pois, nessa época, era assim que se usava.
Meu pai era então segundo tenente da Armada e oficial de guarnição do São Gabriel e numa visita aquele navio da nossa Armada a viagem foi feita em companhia do também segundo tenente João Carlos da Maia, um dos revolucionários que fez a República em 1910 e como minha mãe estava grávida ele sugeriu que se fosse um rapaz deveria ser chamado Gabriel.
E foi mesmo rapaz e é Gabriel.
E foi um outro oficial do mesmo navio, José Vicente do Casal-Ribeiro, que me apadrinhou. Isto tudo me foi contado pelos meus pais e fixado para sempre na minha memória e agora dado à escrita para que nunca mais esqueça.
Fui pois o quarto filho depois de três meninas e portanto aquele em que se depositaram muitas esperanças.
As de continuação de um nome honrado e principalmente a esperança de ver um dia ser este menino, quando homem, o sucessor de seu pai na Marinha. Foi um estigma que me acompanhou até eu ter decidido por mim a minha vida e o meu futuro.
Ainda muito novo mudei de casa, para a rua Latino Coelho e aí começam as primeiras recordações da minha vida.
Lembro-me de uns quadros que meu pai punha no corredor extraídos do livro de João de Deus para nos facilitar a aprendizagem da leitura já vermos as letras com tanta frequência, de ir muitas vezes com as minhas irmãs ao colégio onde andavam, o colégio Parisiense na Avenida Fontes Pereira de Melo, e de elas terem um colega com quem falavam pelas traseiras da casa, e em voz alta e que um papagaio repetia tudo o que diziam.
Recordo as revoluções, principalmente porque fiando em casa, por baixo da trajectória das granadas que eram disparadas do castelo de são Jorge para o parque Eduardo VII, onde normalmente estavam os revoltosos. E o silvar das granadas ouvia-se perfeitamente. Era uma diversão cujo perigo eu então não podia avaliar.
E o tempo foi correndo até que em 1919, tendo eu 6 anos, o meu pai foi nomeado director do Observatório Metereológico de João Capelo em Luanda em comissão de serviço, pois esses observatórios estavam todos entregues à Marinha de Guerra.
E assim no dia 1 de Maio lá embarcamos no vapor Lourenço marques para Angola.
Aí começou a minha aventura africana. Ia um outro oficial que era o Comandante Conceição Santos, com dois filhos, um rapaz, o Vasco e uma menina Adelaide por abreviatura a Lai. E ao fim de muitos dias sem história chegamos a Luanda. E a entrada na baía, vendo aqueles morros de terra vermelha fixaram-se na minha retina e nunca mais os esqueci.
Ao mesmo tempo uma repulsa e uma paixão. E desembarcados, lá fomos para o Observatório a que também chamavam o “balão”, e que era, além da repartição do meu pai, a nossa casa. Um edifício de rés – do – chão e um andar com uma bela varanda e belos quartos. Fomos de trem e lá nos instalámos. Mas aquele oficial, a mulher e os filhos também ficaram em nossa casa, talvez por a deles não estar em condições. Isso para mim foi agradável pois tinha com quem brincar, o que nessa época constituía a minha única preocupação.

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